Por Flaubert Mesquita, Doutorando em Sociologia e Sociólogo da Defensoria Pública da União
O fato é que os ingleses estão nas ilhas desde 1833. Naquela época, os argentinos sabendo que os ingleses queriam tomar as ilhas, as abandonaram sem lutar por elas. Não houve luta para resistir à tomada do território! Mesmo assim, elas só esteviram em posse dos argentinhos durante 13 anos.
De que forma a reivindicação das ilhas é um direito histórico argentino? Vamos supor que os argentinos tivessem sido vitoriosos na guerra de 1982. Dado o ufanismo e toda a propaganda política usada à exaustão pelos governos tirânicos durante toda a História, nada mais natural do que slogans do tipo “ninguém segura a Argentina” e coisas do tipo teriam sido usadas como propaganda para o fortalecimento e legitimação do regime, o que a teria prolongando ainda mais, às custas de mais milhares de mortos pela ditadura sangrenta naquele país.
Vê-se que de dívidas históricas deve-se muito à iniciativa dos militares argentinos e posterior derrota a criação das condições para o processo de redemocratização argentina. Ninguém comenta isso porque o orgulho nacional dói, mesmo que ferido durante um regime odioso. A Argentina só não teve um banho de sangue maior – uma das mais brutais ditaduras da America latina – porque a derrota dos militares da guerra de 1982 criou o clima político necessário para a fim da ditadura militar. Repito.
Por outro lado, por linhas tortas, a ditadura argentina também favoreceu o regime direitista de Margareth Thatcher, pois ao provocarem os ingleses, o exército argentino proporcionou à primeira-ministra britânica a legitimidade política de que tanto precisava, na medida em que sua impopularidade antes da guerra só crescia, devido a suas escolhas políticas que causaram grande desemprego no Reino Unido.
O caso da disputa pelas ilhas é ilustrativo de como um evento produz consequências inesperadas, mas que mesmo tendo sido positivas – processo de redemocratização argentino –não são publicamente reconhecidas pelo país derrotado.
Até hoje, um dos países que mais perdeu território foi a Alemanha. Derrotada, viu toda a Prússia Oriental ter dividida entre Polônia e Rússia, e já tinha perdido território na Primeira guerra. Se, pelo raciocínio da presidenta Kirchner, os derrotados têm direito de recuperar seu território, então, nada mais natural do que ela ter o dever moral de selar um pacto diplomático com a Alemanha para que eles também reavejam seus territórios perdidos, dentre outros países.
Com base nessas observações, criar uma “cruzada internacional no cone sul” pelas ilhas é realmente fazer justiça histórica? Talvez o que deve causar mais ira seja o fato que os ingleses parecem não aceitar o “ganhou mais não levou”.
E nada mais natural na política que transformar um problema ou interesse pessoal num problema de interesse geral. E de forma semelhante, dada a descoberta de petróleo nos arredores da ilha, nada mais natural do que revisitar o velho pedido de posse das ilhas aos ingleses, mas tenho dúvidas se o governo da Argentina distribuiria o petróleo para os países vizinhos caso recuperarem as ilhas.
Dado as contingências da política, seria surpreendente ver o Reino Unido se desfazer de suas ilhas. Só mesmo como uma pressão internacional onde um superboicote aos ingleses fosse organizado por todo o Cone Sul, não apenas com o reconhecimento das ilhas como território argentino como já faz vários países sul-americanos, pois pela via militar já se soube o resultado. Será que todos estão a fim de comprar a briga do vizinho?