Search
Close this search box.

Greve dos PMs da Bahia e do Rio: um contraponto

Compartilhar conteúdo:

Líderes do movimento grevista dos policiais militares da Bahia foram capturados por escutas telefônicas nos momentos em que discutiam estratégias.

Autorizadas pela justiça, as escutas revelam dois momentos distintos, que estranhamente foram confundidos pela imprensa nacional, mas que precisam ser separados.

“No primeiro trecho [conforme matéria do G1], o presidente de uma associação que reúne bombeiros e policiais baianos, Marco Prisco, combina uma ação de vandalismo com um de seus liderados. Prisco nega ter participado de atos de violência.

Leia abaixo um dos trechos de conversa:
– Prisco: Alô, oi. Desce toda a tropa pra cá meu amigo. Caesg e você. Desce todo mundo para Salvador, meu irmão… Tou lhe pedindo pelo Amor de Deus, desce todo mundo para cá…
– David SalomãoAgora?
– Prisco: Agora, agora. Embarque…
 David SalomãoEu vou queimar viatura… Eu vou queimar duas carretas agora na Rio/Bahia que não vai dar tempo…
– Prisco: fecha a BR aí meu irmão. Fecha a BR” (DO G1.com).

Trata-se, de fato, da organização de atividades criminosas. E contra isso não há questionamento, pois violência contra a sociedade não pode ser aceita como estratégia de movimento trabalhista.

No entanto, essa é apenas uma conversa, que apresenta dois interlocutores específicos. Nas demais ligações, há outras pessoas combinando meios de levar a greve para outros estados.

Reproduzo os outros trechos, a partir da matéria do site g1.com.

“Em outra gravação, quem aparece falando é o cabo bombeiro do Rio de Janeiro, Benevuto Daciolo. Ele já foi candidato a deputado estadual no Rio e foi um dos líderes do movimento grevista da corporação no ano passado.

Daciolo conversa com um homem a quem ele classifica de “importantíssimo” a respeito de uma possível votação da PEC 300, a emenda constitucional que garantiria um piso salarial único para bombeiros e policiais de todo o Brasil. Nesta conversa fica claro que o objetivo é estender a greve de policiais e bombeiros a Rio de Janeiro, São Paulo e outros estados com o objetivo de prejudicar o carnaval.

Dacilolo: Pergunta ao senhor que é pessoa importantíssima a respeito da nossa PEC…pergunto: qual é a verdadeira possibilidade de nós conseguirmos passarmos em segundo turno na semana que vem? Não sei se o senhor sabe. Eu estou com uma assembleia Geral amanhã no Rio de Janeiro, com a abertura de uma greve geral no Rio também, com probabilidade de não ter carnaval nem na Bahia nem no Rio esse ano. E São Paulo acho que está para dar uma resposta agora e os outros estados também. Nós acreditamos que, se tivesse uma resposta do governo, assinalando numa possibilidade de votação no segundo turno da PEC, acalmaria muito, muito o que está acontecendo na Federação.

Em outro trecho, o cabo Daciolo, que estava em Salvador, ouve de uma mulher uma recomendação para que tente influenciar o movimento dos grevistas baianos a não fechar um acordo com o governo. Segundo esta mulher, isto enfraqueceria uma possível greve no Rio.

Mulher: Daciolo, Daciolo, presta atenção. Está errado fechar a negociação antes da greve do Rio…
Daciolo: Tudo bem, tudo bem… sabe o que vou fazer agora??? Ligue para ele que eu vou embora daqui, não vou ficar mais aqui.
Mulher: Eles não querendo que você avalize um acordo antes da greve do Rio. Depois da greve do Rio, muda tudo. Sabe como você vai ajudar eles? Voltando para o Rio, garantindo aqui. O governo vai fazer uma propostinha rebaixada para vocês, vai melhorar um pouquinho esse negócio que eles colocaram. E acho…se vocês garantirem a greve aqui, a mobilização aqui, vocês vão ajudar eles a liberar o Prisco, a ter uma negociação… (Do g1.com)”

Ao contrário do primeiro diálogo, o que é perceptível nas demais interceptações telefônicas, com outros interlocutores, são líderes do movimento, tentando expandí-lo.

Ora, não consigo entender o estarrecimento no que concerne ao segundo aspecto, que diz respeito, mais uma vez, ao planejamento para que o greve ganhe outros estados e se nacionalize. Organizar greves e tentar fazer com que ela cresça, ganhe corpo, principalmente, em prol dos grevistas se constitui como prática normal desde o início dos movimentos trabalhistas. Qual é a novidade? Ou o crime?

Porém, do modo como as gravações foram expostas pode ficar a impressão de que o primeiro ponto (premeditação de crimes) está, invariavelmente, ligado ao segundo (tentativa de ganhar a adesão de outros estados para fortalecer o movimento). E esta correlação não tem nenhuma validade. São 12 policiais indiciados dentro de uma tropa de milhares de militares. E não há provas que incriminem os doze em atos de violência. Portanto, não há parâmetro para afirmar que a estratégia de terror seja regra, mas sim que é exceção.

Não defendo a visão de que isto foi feito de modo combinado pela imprensa, ou pelo estado. As ações não são produzidas com este nível conspiração. Mas há um claro pano de fundo que tende a deslegitimar todo o movimento de policiais, que tem pauta legítima e nacional.

Os salários dos Policiais Militares, na sua grande maioria dos casos, não atinge 2 mil reais (bruto e sem descontos). Um policial militar carioca recebe 1.100,oo, um baiano cerca de 1500,00, no Pará 1200,00 e em Pernambuco 1300,00 (ver todos os estados em http://www.salariospm.xpg.com.br/) (salário líquido).

A penúria é nacional. Como não imaginar que a organização em defesa da melhoria salarial também não atinja vários estados?

Sem reconhecimento, que também passa pela via remuneratória, a sociedade acaba ficando a mercê da sorte do ressentimento de alguns profissionais do setor. Impedidos socialmente de “descarregarem” toda as suas “raivas” na classe média e média alta, porque estes sabem muito bem como se defenderem até pelo próprio porte, vestimentas e expressões que carregam, que funciona como um bom escudo contra os excessos policiais e que estes últimos sabem reconhecer muito bem, o policial encontra nos pobres uma válvula de escape para todas as suas tensões, frustrações e sofrimentos.

Resultado: uma rotinização banalizadora da violência aliada a naturalização da ideia (falsa) de que o policial é essencialmente violento. Sem condições de trabalho, este círculo vicioso só tende a aumentar.

ASPECTO SOCIOLÓGICO

Além disso, parece claro para mim, analisando as entrevistas, que o movimento grevista também é impulsionado pela renovação das tropas policiais. É possível perceber maior nível de articulação discursiva fruto, especulo, do aumento do nível educacional dos policiais.

As polícias vêm se configurando cada vez mais como caminho profissional para muitos setores da classe média. As polícias civil e federal solicitaram nível superior em seus últimos concursos. Os policiais militares parecem seguir, com uma menor intensidade, mas também beneficiados pelo alargamento do mercado educacional brasileiro, este caminho.

Portanto, com esse nível de organização e articulação, aliado a uma reivindicação justa sustentada por profissionais cada vez mais educados, que são centrais para o Estado, penso ser difícil manter o status quo. A tendência é que um piso nacional para os policiais seja aprovado. Não adianta os Estados chorarem. É irreversível. Resta saber se a base salarial será a dos vencimentos de um policial militar candango como a PEC 300 solicita..