Paulo Afonso Linhares, Professor da UERN
O sábio Norberto Bobbio coroou sua vigorosa obra de filosofia jurídico-política com o belo livro A era dos Direitos, resultante da reunião de vários textos que escreveu ao longo de décadas, em forma de artigo. O enfoque da pensador italiano, falecido em 09 de janeiro de 2004 aos 95 anos, está assentado em tríplice base: os direitos do homem, a democracia e a paz. E resume seu pensamento na afirmação de que “sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos” (BOBBIO, N. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.1).
Com efeito, essa obra é uma das mais completas reflexões acerca da eclosão e reconhecimento, no plano histórico, dos direitos do homem e seu desenvolvimento em diversas fases cotejadas com o processo de formação do Estado moderno. Bobbio resume o seu pensamento, nesse livro, em três proposições das quais nunca se afastou durante toda a sua vida longa e profícua: a) que os direitos naturais são direitos históricos; b) que os direitos do homem nasceram na era moderna, porém, inicialmente vinculados a uma concepção de sociedade francamente liberal-individualista; e c) nas sociedades contemporâneas a consolidação dos direitos humanos tornou-se a pedra de toque do progresso histórico. Uma das parêmias do pensamento bobbiano é a de que, segundo consigna resenha crítica de Maria Regina de Oliveira Heuer (disp.: http://bit.ly/xqQYed – acesso: 09 fev 2012), “[…] Os direitos do homem e as liberdades fundamentais são universalmente respeitados a partir do momento em que seus fundamentos são reconhecidos universalmente”.
Essa lembrança de Bobbio e de parte do seu pensamento fundamental é muito a propósito de um movimento histórico que ora vivenciamos, marcado pela profunda crise econômica dos Estados que compõe a União Europeia e dos Estados Unidos da América, com poderosos reflexos no resto do mundo, cuja principal característica é a precarização dos direitos do homem. Em suma, não é mais verdadeiro que os direitos humanos e as liberdades fundamentais mereçam respeito universal a partir do reconhecimento de seus fundamentos. Mesmo nas sociedades avançadas o que se vê é uma enorme produção legislativa voltada a restringir direitos e garantias fundamentais, a pretexto da celeridade e economia processuais como,p. ex., vem ocorrendo com as diversas reformas feitas no vigente Código de Processo Civil brasileiro.
No entanto, o mais emblemático dessa onda precarizante dos direitos e garantias fundamentais, neste momento, são as enormes agruras impostas pelo Tribunal Supremo de España ao juiz Baltasar Garzón (56 anos) – conhecido internacionalmente por ter decretado a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet e, sobretudo, na condição de ardoroso defensor dos direitos humanos – com a condenação, em decisão irrecorrível, à pena de11 anos de afastamento de sua profissão de magistrado por abuso de autoridade, em face das acusações de ter ordenado escutas telefônicas ilegais entre advogados e réus em um caso de corrupção. Garzón levou a sério o conceito de universalidade dos direitos fundamentais e sua imprescritibilidade. Por isto, recentemente resolveu reabrir casos de gravíssimas violações dos direitos humanos ocorridas na época da ditadura franquista (1936-1975), que infelicitou o povo espanhol por mais de três décadas. Investigar dezenas de milhares de assassinatos atribuídos a forças leais ao general Francisco Franco, foi a gota d’água e a senha do establishment daquele país para afastar o juiz “incômodo” que, de acordo com a organização de extrema direita espanhola Manos Limpias (Mãos Limpas), teria violado a Lei de Anistia, de 1977, que possibilitara a redemocratização daquele país.
Em verdade, o “delito” do bom juiz Garzón foi acreditar que vivemos uma era de direitos humanos fundamentais, quando, no dizer do jornalista Vítor Rocha, da BBC Brasil, “[…] trouxe à tona resquícios do franquismo, reformatou antigas divisões na sociedade e possibilitou que familiares de desaparecidos levassem, pela primeira vez, seus dramas aos tribunais”. Vale uma reflexão as palavras de Reed Brody, observador da Human Rights Watch enviado a Madri, segundo as quais “[…] Considerar ilegal sua tentativa de aplicar a jurisdição universal e de investigar crimes contra a humanidade é uma ameaça à independência da Justiça.” Lastimável e, ao que parece, nem tão distantes assim estamos da vivenciar uma “era da precariedade dos direitos”..