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Conto: acidente

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Onde… o carro capotou. Sangue no meu rosto. Minha pernas? Estou torto por cima de onde seria o teto, a cabeça saindo pela janela, não consigo me mexer. Estou…  uns flashes… isso é a morte? Pensamentos desarticulados. Chorando, desesperado,  não ouço a buzina. Alguém ouve? “ANGELA!” ah meu deus. Ela… porque ela não se mexe?

Dezenove anos, oito meses e cinco dias atrás. De castigo na diretoria. Balanço meus pés no banco. Ângela ri, eu também.

O que…

Quinze minutos atrás estou conversando, esclarecendo, ela não entende quando digo que comprei todas as suas telas, que negociei a exposição. Seguro suas mãos  que socam meu rosto. Eu estou bêbado, Ela está possessa.

Dente…

Uma hora antes, chego na exposição, Angela ao telefone: sua mãe. Diz que é perda de tempo, não vem, não havia pago todo aquele dinheiro em escola privada pra ver a filha na merda, fadada à “mendicância da arte”. Velha escrota. Uma puta de uma Yuppie, é o que ela é. Angela desliga o celular e fica olhando para a telinha se apagando. Aproximo e abraço. Minha camisa ainda tem suas lágrimas.

Angela ainda não se move.  “ALGUÉM! EI!”

Dois dias atrás, finalmente consigo falar com Angela. Ela está eufórica por saber que seus quadros seriam expostos e mais, vendidos para um comprador anônimo. Digo que posso ajudá-la no que puder, ela, sempre pragmática, diz que não precisa, vai contratar uma empresa de mudança. Eu insisto, ela se chateia, pergunta porque eu me não venho para a exposição. Olho no seu olho… aceito. Fico pensando se ela me chamaria se eu não tivesse ligado.

Sirene. Muito fraco…

Um ano atrás:  Festa do fim do curso da faculdade. Procuro por Angela, eu vou falar, tenho que falar. Ela beija um cara no capô de um carro, no estacionamento. Eu…

 Estou sentado na calçada em frente à minha casa. Ângela passa e me sorri. Meu corpo sente uma queimação intensa, respiração para. Isso foi há dezesseis anos.

Dois minutos atrás ela está chorando no meu banco do passageiro. Não deixei que ela fosse de ônibus. Seus quadros notoriamente fracos não atraíram muitos visitantes. Ajudo a guardar o material, nunca a vira tão deprimida. Segurei sua mão e lhe falei tudo, foi quando ela me bateu. Senti que havia muito ódio em seu esbravejamento, mas não era por mim. Não consegui falar do que sentia. No banco do meu carro, ela chora, pragueja por sua vida, puxa o volante, algo atinge meu rosto.

Fumaç…

Três anos atrás: Ângela chorando abraçada comigo. Seu pai a três metros, num caixão.

Há quinze anos: não gosto quando a professora grita com ela.

Dezessete anos e três meses: a mão de sua mãe encontra o rosto da menina Ângela, que cai. Estou em choque.

Estrelas. “UUUEEEEENNN.” Na maca ao lado ela está imóvel. Médicos tentando ressuscitá-la. Saem. Por favor, não. Eu só queria que- Ela abre o olho. Vira seu rosto. Sorri. Segura minha mão. Aperta. Por todo o caminho, por toda a vida que me resta, ela me vê, Ângela me vê.

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