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Zé do caixão, pioneiro da Cultura da convergência

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Henry Jenkins¹, o mentor da Cultura da Convergência, avisa que, ao contrário do que se imagina, a convergência é imaterial: intenções, desejos e projetos de contar histórias (e vender produtos) de maneira ampla, interativa e criativa, através de várias plataformas. Como tema contemporâneo mais proeminente na área da Comunicação, a Convergência se espalhou entre os escritórios dos mais importantes e vorazes lideres da indústria do entretenimento, da publicidade e pelas salas dos mais influentes pesquisadores da comunicação atual.

Em resumo, a tal Cultural da Convergência tem sua gênese no inicio dos anos 90, quando a rede mundial de computadores começou a ganhar fôlego. Historicamente, a convergência é algo horizontal, e começou pelo publico, em especifico os fãs do seriado Twin Peaks de David Lynch, que começaram a debater sobre o misterioso assassino de Laura Palmer através de fóruns por e-mail. Esta seria a coluna dorsal dessa convergência: a interatividade. Poder trazer o telespectador para dentro do seu programa, fazendo-o interagir com a história, despertando nele um interesse maior e mais sólido de consumir sua marca e tudo que ande pela sua sombra, coisa que, em tese, só foi possível depois da popularização da internet.

Somado a isso tudo, um dos esquemas mais vislumbrados pelos executivos que sonham em ganhar dinheiro com enormes franquias é fragmentar sua história em várias plataformas. Ou seja, o programa de TV, também será contado através de revistas, blogs, filmes, livros, games e etc., cada um como um pedaço autônomo, que pode ser consumido isoladamente, mas que represente uma fatia narrativa do todo ou que expanda o universo fictício de forma coerente, atingindo um público-alvo muito mais diverso, o que, mais uma vez Jenkins, chamou de narrativa transmidiática. Haja visto sucessos como “Matrix” e “Lost”, cuja histórias principais acabaram desdobrando-se em muitas outras: jogos, animações, livros, fãs-ficitions a teorias mirabolantes que pipocavam pela rede.

Claro que a tal da convergência não era nem pensada há 50 anos, mas um artista brasileiro já havia se antecipado. José Mojica Marins, o cineasta paulista, que começou sua carreira no cinema contando histórias de piratas e pistoleiros é, sem duvida, um pioneiro esquecido dessa tal cultura. Mojica não limitou seu trabalho ao cinema, e quando enveredou pelo gênero de terror (inédito no Brasil) expandiu seu personagem, o Zé do Caixão, a incontáveis mídias.

 Zé do Caixão aparecia em quadrinhos dos mais variados, de fotonovelas, a histórias adaptadas; em um programa de teleteatro exibido pela rede Bandeirantes no fim da década de 60 chamado “Além muito além”; um seriado em 13 episódios na TV Tupi chamado “Estranho Mundo do Zé do Caixão”; escreveu peças teatrais e um livro intitulado de “Crônicas de Terror do Zé do Caixão”; chegou até a ter uma espécie de programa-jogo via telefone, que o desafiava a ligar no escuro, após a meia-noite, se tivesse coragem e mais recentemente incursões no rádio e na internet. Além disso, guiado pela mais pura necessidade, Mojica tinha métodos de marketing e publicidade muito específicos: para chamar a atenção ao seu trabalho, colocava seu elenco nas filas das bilheterias dos cinemas paulistas, fazendo barulho e comentando com pompa sobre seu filme, o que despertava o interesse dos transeuntes, algo que lembra as atuais ações virais e astroturfing³, símbolo muito representativo dessa cultura.

Tudo isso feito na base do improviso e da vontade, já que Mojica era carente não só de recursos e credibilidade, quanto de simpatia, pois sua obra desafiava uma engessada sociedade carola pós-golpe militar. Mas sua vontade era tanta que ele e o próprio personagem acabaram se fundindo, e é impossível não pensar em Mojica sem pensar em Zé do Caixão, elevando a convergência a um nível jungiano.

Infelizmente, nem toda proficuidade de Mojica pode salva-lo de um longo período de vacas-magras onde teve que se submeter a trabalhos de gosto duvidosos, e de ser zombado na TV carregando a pecha de lunático, um mero excêntrico muito distante do grande e criativo realizador que era, até seu trabalho receber a consideração que lhe era devida anos depois.

E se Mojica tem algo a deixar como legado aos atuais pensadores e executores da convergência, certamente não é o rebuscamento, tampouco a intenção ou pragmatismo de revolucionar a estrutura do entretenimento em escala global, mas sim a grande força de vontade, disposição, criatividade e, sobretudo, a honestidade de seu trabalho, aspecto inerente a todo grande artista de verdade.

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¹ Henry Jenkins:  professor de Ciências Humanas e fundador e diretor do programa de Estudos de Mídia Comparada do MIT – Massachusetts Institute of Technology, site oficial: www.henryjenkins.org.

² Ações de publicidade que procuram despertar o interesse da população através do uso do rumor em diversas plataformas, incluindo ações presenciais.

 

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