Por YURI AL’HANATI
A obra de James Joyce (1882-1941) sempre foi objeto de estudos, leituras e interpretações acadêmicas das mais variadas. Cultuado por críticos, bibliófilos e mesmo por quem nunca o leu, os livros do escritor irlandês ocupam um lugar cativo na evolução da experimentação linguística e literária. Entretanto, os estudiosos joyceanos precisavam, até então, transpor uma barreira difícil de ser galgada: o protecionismo excêntrico e exacerbado do neto e detentor dos direitos da obra do escritor, Stephen James Joyce. Ameaçando processar quem quisesse citar trechos de romances em teses e monografias, interferindo em cada nova edição e tradução – até mesmo ameaçou processar o governo inglês na comemoração do centenário do Bloomsday, feriado nacional dedicado ao personagem de Ulisses, Leopold Bloom, em 2004 – Stephen atravancou o avanço acadêmico do entendimento da obra de seu avô, para não mencionar as diversas adaptações para cinema e teatro que deixaram de ser feitas pelo mesmo motivo.
Oficialmente, para o Brasil, os freios de Stephen não são mais válidos. No dia 1.º, a obra de Joyce caiu em domínio público, respeitando a lei de direitos autorais que marca o primeiro dia de janeiro do ano subsequente aos 70 anos da morte do autor – ocorrida em 12 de janeiro de 1941. Sem perder tempo, o selo Penguin-Companhia, da Companhia das Letras, prepara para abril a nova tradução de Ulysses, assinada pelo tradutor e professor da Universidade Federal do Paraná, Caetano Galindo. “Queríamos, há muito tempo, ter o Joyce na editora, mas o selo da Penguin é apenas para livros em domínio público, então esperamos. Vamos usar o texto de 1922 para não haver problemas”, comenta o editor do selo, André Conti. Os “problemas” a que ele se refere são as confusas leis de copyright aplicadas nos Estados Unidos e Inglaterra, com as quais Stephen tenta estender seu domínio sobre o espólio com base nas revisões que seu avô fez de Ulysses, até o fim de sua vida. “As grandes bibliotecas joyceanas ficam nesses países. Acredito que assim que Joyce cair completamente em domínio público por lá, teremos um salto qualitativo importante na produção acadêmica joyceana”, completa Conti, que diz desejar, a longo prazo, editar toda a obra do autor.
Caetano Galindo, que começou a traduzir Ulysses como parte de sua tese de doutorado na USP e já realizou diversos trabalhos sobre a obra do escritor irlandês, diz que também espera uma nova vida para a obra de Joyce: “Os direitos autorais, que deveriam servir para proteger os interesses da obra e do autor, em certos casos, podem estar trabalhando contra ambos. Joyce merece atingir um nível de exposição semelhante ao de Shakespeare, por exemplo, e isso envolve a necessidade de que a obra seja conhecida por todo tipo de gente, em tudo quanto é tipo de formato. Por outro lado, de novo como em Shakespeare, espero que a esfera acadêmica também se veja mais desimpedida e que com isso surjam novos e mais instigantes estudos sobre a vida e a obra de Joyce, sem que ninguém corra o risco de ser processado”.
Matéria publicada na Gazeta do Povo.