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Conto: No Espelho

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Me olho pelado em frente ao espelho e vejo que esse vai ser só mais um grande dia de merda, numa mesma quinta-feira de merda. Sabe, eu penso que é verdade quando dizem que a quinta é o pior dia da semana, porque é público e notório que é um dia antes do fim, que não é o fim; apenas um dia antes. Outros adoradores do tédio já disseram sendo o pior dia a segunda, outros, a quarta. Não amaldiçôo a quarta. A quarta é legal, visto que eu pago meia entrada no cinema, isso quando vou. Mas eu não vou. Vinte minutos para estar no trabalho e aqui estou eu de novo pensando merda na frente do espelho. Não é sempre assim? Você acorda desesperado debaixo dum despertador fdp e sai andando pela casa como um zumbi no automático; miolos? Não, você quer um chuveiro. Sua mente divaga pelos mais longínquos afluentes do Amazonas e quando você se dá conta se vê aqui, pelado, pensando porque está pensando nos afluentes do Amazonas. Não que eu me atrasar seja um grande problema: cargos de confiança não são postos pra fora por motivos furrecos desses… Porém, há como se vingar de um preguiçoso: uma vez me atrasei 15 minutos lá na repartição e seu Creomar chamou e disse seu bosta se você se atrasar todo dia assim, te boto pra trabalhar com o Amílton, ein! uhr… gelei. Amilton… cargo comissionado do presidente da câmara. Intocável e ainda assim um perfeito beija-bundas. Ser insuportável, é o que mais pega bola dos frigoríficos pra passar aquela carne podre aos supermercados e aos restaurantes da periferia. Pense bem antes de comprar sua bisteca no mercado. Uma vez, lembro bem, o dono da padaria lá do bairro não pôde pagar a bola e o Amílton meteu-lhe na cadeia por “vender leite de origem duvidosa”. Imagina. Seo Chagas tão correto… O coitado perdeu quase tudo na mão dos advogados… 10 minutos. Cabelos brancos?  Hmn… Seo Creomar, chefe da repartição: a reencarnação de Don Corleone: Gordo, alto, político, amarraria o rabo até de Madre Teresa de Calcutá, encharcada com sua lábia doce. Lembro bem… muito bem de como cheguei na repartição: mirradinho, cabeludo, recém-formado e cagado de bons costumes e hábitos. Logo fui introduzido aos abutres, o mundo dos cegos, do empurramento e da inércia. E às festas. E que festas… Aquele amontoado de corpos fedendo à cerveja e podridão se esfregando, meninas púberes desfilando pra lá e pra cá com espetinhos de carne de todos os tamanhos, Amílton e seus rapazes conversando ao pé do ouvido, negociatas do demônio e eu, um alien ainda aprendendo a viver num planeta estranho. Estranho… rugas. Porra, rugas?

Fotos: Banco de imagens Google

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