A notícia da ascensão do Brasil à condição de 6° maior economia, superando o Reino Unido, foi recebida com muito entusiasmo e o sentimento de que finalmente estamos chegando ao topo do olimpo, de que o “ser” que se resolve no logos econômico está prestes a presidir, à semelhança de Zeus, o céu diurno. No entanto, o canto de sereia dos gráficos de ranking de crescimento econômico pode lubrificar a opacidade da natureza dos bens de civilização que estamos tendo acesso.
A visão economicista da realidade tende a enfatizar aspectos estritamente econômicos da dinâmica de desenvolvimento da sociedade. Ao apostar no aumento dos índices de crescimento econômico como critério fundamental do desenvolvimento social, tal visão acaba ignorando, efetivamente, a importância dos fatores não econômicos da desigualdade, assim como produzindo a falsa impressão de que o país está alcançando níveis sociais e civilizatórios típicos daquele conjunto de países do capitalismo central.
Na esteira da ideologia economicista, o ministro da fazenda brasileiro, Guido Mantega, chegou a dizer, ainda que em tom de cautela, que o Brasil precisaria de pelo menos 20 anos para alcançar os padrões vigentes nos países europeus. Ficou em suspenso quase místico quais seriam, para o ministro, as precondições necessárias para o coroamento histórico da nossa epopeia mítica rumo à civilização. Já sabemos qual a bússola escolhida nessa obra homérica dos trópicos, não tão mais tristes quanto no passado.
A opção pela economia, ou melhor, pela “engenharia” econômica – se quisermos ser rigorosos para com a multiplicidade de modelos de economia descritos por Amartya Sen – foi e ainda é a bussola legitima e benfeitora do nosso projeto de civilização. Uma engenharia econômica que, por um lado, joga o jogo perigoso de superexploração dos recursos naturais e superprodução de bens materiais não tão escassos, mas, certamente, diferencialmente disponíveis. E que por outro, alimenta a necessidade compulsiva de uma sociedade massificada de consumo que se agiganta de modo continental.
Nesse oceano navegado pelo capitalismo brasileiro, como ondas em sentido inverso, recebemos a notícia fria de que na última década de crescimento econômico, nossos postos de trabalho foram preenchidos significativamente por trabalhadores com baixa qualificação e, consequentemente, baixos rendimentos salariais. Crescimento econômico + trabalho precarizado tem sido a fórmula dominante observada nas transformações ocorridas no tecido do capitalismo brasileiro.
Paradoxalmente, essa situação econômica de instabilidade crescente no mundo do trabalho ainda não se traduziu em sentimento massificado de angustia e insegurança diante de um futuro incerto, pelo menos entre as classes mais populares, embora a perda de horizonte de narrativa de vida já seja observável entre os jovens das classes medias educadas, preocupados quase compulsivamente com o sentimento de deriva nas suas escolhas profissionais e, quiçá, afetivas.
Em meio a este novo mundo mais íntimo da calculabilidade e utilidade econômica, o que não se submete ao imperativo da auto-realização tecnicista e industrial “torna-se suspeito” de ser hostil ao ideal de progresso nacional. Suspeito porque suspeita da qualidade dos bens ofertados pela economia positiva. Porque suspeita do tipo de cultura moral que se forja e se reforça em nossa sociedade. Uma cultura do efêmero e da descartabilidade. Que estreita ainda mais o potencial de auto-realização expressivista no trabalho. De se constituir na biografia, uma obra de arte.
Com certeza, malgrado as transformações institucionais do capitalismo nacional, muitos de nós continuam alimentando sonhos com paisagens de uma vida plena e estilizada. No entanto, o sentimento e o sentido desses sonhos quando confrontados com o choque de uma realidade economicista, padecem de crescente vazio de significado e sabor subjetivo. De fato, não é este o atual estatuto moral das sociedades europeias em decadência? Se s sim, que padrões civilizacionais ambicionamos realmente ter daqui 20 anos?.