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Há pouca comida?

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Por Carlos Gregório Guerra

Não é todo dia que esse primata bípede que vos escreve se depara com tão tormentosa notícia. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a produção de alimentos precisa crescer 70% até 2050 para que haja alimento suficiente para toda a população mundial. E agora? Se mundo houver e se vivo estiver em 2050, caso a produção de alimentos não tenha crescido o necessário, estarei entre as pessoas que passarão fome? E você, leitor, passará fome? E se minha vovó ainda estiver viva, passará fome?

O dado apresentado, sem sombra de dúvidas, é relevante. Mas, quantas pessoas passam fome no mundo hoje? A própria ONU nos informa que há 1,017 bilhão de famintos, dos quais 642 milhões são da Ásia e do Pacífico, 265 milhões da África, 42 milhões da América Latina e Caribe e 15 milhões dos países desenvolvidos, de acordo com os números divulgados em 2010.

Fui gordinho boa parte da minha vida, enquanto isso meu irmão bem magro. Meu pai tinha um amigo bastante gozador e inevitavelmente se ele encontrasse a mim e a meu irmão juntos perguntava ao meu pai se eu estava comendo a comida do meu irmão. Eu morria de raiva porque gordinho nunca quer admitir ser guloso, mas no fundo ele tinha razão. E quando eu lembro que tem gente passando fome nos dias de hoje, não me sai da cabeça uma pergunta: será que alguns irmãos estão comendo mais que outros?

Quando falo irmãos me refiro a todos os seres vivos que compõe a nossa magnífica e gloriosa espécie, homo não tão sapiens. Quando digo comendo a mais não me refiro ao ato de ingestão do alimento, o que questiono é: a distribuição dos alimentos e a sua utilização estão pautadas pelo princípio da justa distribuição ou dá-se em conformidade com as regras de mercado? Isso tem sérias implicações. Por exemplo: uma indústria de alimentos enlatados adquire de um produtor uma quantidade de carne bovina. Uma vez produzidos, os enlatados são vendidos ao supermercado Z que põe em estoque tal quantidade desse produto. Ao término do prazo de validade, o supermercado constata a sobra de produto, que deverá ser colocado no lixo. Enquanto isso, João, Hanz, Jintao ou Thabo passaram fome por não ter dinheiro para adquirir um desses enlatados que acabaram por perder a validade. Ou seja, foi produzido alimento suficiente para alimentar essas quatro pessoas e muitas outras, mas essas pessoas não puderam adquirir o alimento. Abstraindo a singeleza do exemplo proposto, devemos questionar qual é a quantidade de alimentos desperdiçados e, então, poderemos saber se falta alimento no mundo. Verifique no seu dia-a-dia o quanto de comida é jogada no lixo. Seja em sua casa, na do vizinho, no restaurante, nos cursos de gastronomia, nos supermercados, na própria fazenda, nas feiras livres e assim por diante.

O problema da fome não é um problema de produção de alimentos, apenas. É em sua maior parte um problema de distribuição social das riquezas produzidas. O miserável brasileiro, sul-africano, chinês ou alemão não comerá no jantar seja hoje ou daqui a 50 anos. Provavelmente, eu e você, leitor, sentaremos em nossas mesas e comeremos sem maiores preocupações, mas o miserável, ainda que se produza 20 vezes mais que o necessário para alimentar todas as pessoas do mundo, continuará sem comer..