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É que Narciso acha feio, o que não é espelho

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Por Érika Medeiros (Estudante de Direito – UFRN)

 

A série americana How I met your mother é mais um sucesso de audiência que extrapolou as fronteiras dos Estados Unidos e ganhou milhares de fãs mundo afora. O seriado tem um narrador que relata aos filhos, em 2030, as histórias de sua vida que o levaram a conhecer a mãe deles (o que justifica o nome do sitcom). O enredo desenvolve-se em torno das vivências de um grupo de cinco amigos, cada um com temperamento e personalidade bem definidos, com gostos, jargões e comportamentos peculiares.
Um dos integrantes da patota é o garanhão Barney. Aparentemente tem um trabalho que o remunera bem, apesar de nunca revelar o que faz exatamente, e boa parte do seu tempo é investida em cantadas e peripécias que o permitam levar uma mulher diferente a cada dia para casa. A conta das mulheres com quem dormiu já passa da primeira centena (não lembro o número exato, embora o personagem tenha total controle sobre a quantia!).

Acho a série divertida, acompanho os episódios e tenho meus personagens preferidos (Barney é um deles, diga-se de passagem). Mas não é exatamente dela que quero falar. Quero falar do espanto com o espanto. Calma, explico… Recentemente vem sendo divulgada a orientação sexual do ator que interpreta Barney, e tenho me espantado bastante com o espanto de amigos e conhecidos ao saberem que ele é homossexual.

Antes de mais nada, devo dizer como repudio essas matérias que ganham dinheiro e espaço falando sobre a vida íntima e sexualidade alheias. Inúmeras reportagens e revistas dedicadas exclusivamente à futilidade das intimidades de terceiros, e não me refiro aqui apenas à questão da orientação sexual. Do que me interessa saber onde fulano ou sicrana estão passando férias? Ou o que gostam de comer no café? Ou com quem escolheram ir morar? Deve interessar a alguém que, definitivamente, não sou eu. Talvez a empresas que vendem alguns dos produtos divulgados ou que vendem essas notícias, mas não a mim e, possivelmente, nem a você, em tese.

Difícil não me incomodar com como questões da esfera privada e extremamente íntimas, como a sexualidade de cada um, conseguem tomar o espaço público de um jeito surpreendente. De repente, milhares de pessoas se vêem discutindo sobre a orientação sexual de alguém que sequer conhecem. Como pode isso? Parece-me tão surreal… foge à minha compreensão. E ainda que conhecessem, a quem mais pode interessar esse assunto, se não diretamente ao próprio sujeito?!

É interessante também observar que a maioria das pessoas que tem se chocado com a “descoberta” da sexualidade do ator que interpreta Barney, tem total clareza e discernimento para saber que a vida do ator e do personagem não se confundem. Quando essas pessoas assistem a uma novela, não costumam pensar que o personagem filho de outro é também filho fora das telas. Ainda que pensem, quando “descobrem” que não é, a reação não é de espanto e incredulidade.

Porém, quando o assunto em questão é a orientação sexual, a reação é a de choque. Curioso como o tratamento dado a esse aspecto é diferenciado… Parece absurdo assimilar que o garanhão da série, o conquistador de tantas mulheres, fora das telas é homossexual. Que coisa! Não surpreende que ele não seja mesmo amigo dos outros atores e atrizes, que ele não more no mesmo apartamento do seriado, que ele não se vista de terno diariamente na “vida real”, mas é demasiadamente chocante saber que ele é homossexual.

De onde vem a reação de grande espanto? Esperava-se que o ator fosse realmente um Don Juan? Acho pouco provável. Havia um pré-entendimento de que só um heterossexual pudesse interpretar esse perfil? Estariam as habilidades de interpretação, as qualidades do artista, relacionadas à sua sexualidade? Não acho que as pessoas acreditem nisso. Em que medida esse choque faz parte de uma ruptura com nossa cultura heteronormativa? Até que ponto ele é conivente com ela?

Pessoas que costumam postar em seus perfis nas redes sociais notícias ligadas a questões públicas, a temas que dizem respeito à coletividade, a acontecimentos recentes do país e do mundo, de repente reservam um espaço para demonstrar o espanto com a “descoberta” da sexualidade alheia. Será que elas próprias compreendem a razão de seus espantos? Estou ainda tentando compreender! Enquanto isso, sigo solidariamente chocada….