O Universo, do alto da sua dimensão infinita, apresenta uma série de possibilidades que são inabarcáveis ao pensamento humano, somente relativizadas por algumas constantes.
Uma delas é a morte, certa para todo ser vivente que habita este mundo.
A outra é a reclamação do trânsito em Pirangi no verão.
Não tem jeito. Entra janeiro e elas estão sempre lá, estampadas nas manchetes dos jornais, nos lábios dos veranistas e no bico doce das autoridades sequiosas por ilustrar seus nomes perante o público.
Também na volta do litoral Norte existe um trânsito de igual monta, mas este não é objeto das reclamações. Pelo menos que eu tenha visto com igual furor.
Quem lê até aqui já esboça um “tsc, tsc” e imagina que esta é uma daquelas típicas reclamações dignas de entrar para a vala do “classe média sofre”. Se é ou não, eu não sei, mas não deixa de ser um problema que afeta muitas pessoas, inclusive o turismo na região. Não é motivo para brados retumbantes, mas também não devemos entregá-lo ao silêncio imposto pela patrulha ideológica que abomina as reivindicações deste tipo.
Ademais, isto aqui não é um panfleto assinado por um sujeito que ficou horas no trânsito do Litoral Sul – estive no litoral Norte – e sim uma simples análise de alguém que gosta de acompanhar os acontecimentos do Elefante. Vamos a ela.
Consta que o Cajueiro de Pirangi é considerado o principal vilão da estória, com seus galhos que prendem carros num transito quilométrico, e se expandem para todos os lados, menos para um, segundo dizem os entendidos. Não imagino que uma planta deixe de crescer para um dos lados, mas isto fica para os botânicos e membros do Ministério Público.
Para resolver este problema muitos sugerem a poda dos galhos que adentram na pista, inutilizando uma das faixas e causando o engarrafamento objeto dos reclamos.
Há outra solução mais simples ainda: voltar para casa em outro horário que não o final da tarde, mas esta é ignorada solenemente; afinal, é difícil mudar um costume ancestral, não é mesmo? Voltemos à poda dos galhos, portanto.
Resolveria o problema do trânsito? Por um tempo, sim, mas confesso que desconheço os efeitos de uma eventual poda para a vida do Cajueiro. Só uma coisa é certa: fazendo-a ou não, o Cajueiro de Pirangi continuaria tranquilamente a ser o maior deste mundo, se não morrer, claro, já que não se tem notícia sequer de onde estaria plantado o segundo colocado.
Mas não deixam. É impossível fazê-lo. Falar em cortar uma folha do Cajueiro é o mesmo que defender que ele seja arrancado pela raiz e incinerado. Por quê? Não explicam, e tudo fica resumido nessa arenga de “Poda!”, “Não poda!”.
Sim, dizem que existe um estudo que conclui pela morte da planta caso seja podada, mesmo sabendo que ela sempre foi aparada em um dos lados, aquele para o qual o Cajueiro supostamente não cresce: o das lojinhas. Que este estudo seja trazido à discussão pública, com oportunidade para questionamentos e confronto com estudos realizados por outros especialistas. Se após isso se mostrar verdadeiro, que encerremos a pendenga sobre a poda e analisemos outra proposta.
De qualquer forma não me surpreende a proibição expressa e peremptória da poda. Afinal, em Natal, mesmo as árvores simplórias, que não são nem as maiores da rua, cujos galhos tapam a visão dos semáforos, não são podadas para liberar a visão dos motoristas, imagine se o farão com o maior exemplar de cajueiro no mundo para liberar a passagem de alguns carros. Tudo pela política ambiental, sendo a proibição das podas a única que existe por aqui.
O que fazer então?
Existe um projeto do governo estadual para levantar os galhos que cobrem uma das faixas da pista, liberando o tráfego.
Parece uma solução pitoresca, mas digna de louvor, pois a se confirmar a informação de que o Cajueiro de Pirangi padece de uma deformidade genética que o impele a crescer eternamente, condenando-o à grandeza compulsória, teremos não apenas o maior Cajueiro do mundo em extensão, mas, erguendo seus bracinhos e deixando-os crescer para cima, em algum tempo o será também em altura, aumentando ainda mais a fama da nossa árvore.
Caso não seja suficiente para resolver o problema, então que esperemos mais um verão a fim de que outra solução seja apresentada, já que durante o resto do ano ninguém se ocupa com o assunto. De tanto tentar uma vez por ano, quem sabe no próximo século tenhamos extraído uma das constantes universais referidas no início do texto.
Só peço uma coisa: não demonizem a pobre planta. Ela não tem culpa de sua grandeza.