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E quem é a favor da corrupção? Política é bom e eu gosto!

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O texto abaixo apresenta, para além do seu tema central, uma boa análise sobre a importância dos partidos e das instituições. Questão fundamental para os dias de hoje.

E, ao contrário do que algumas análises sobre o movimento #Foramicarla, que gravitaram na internet por esses dias preconizam, os militantes, os partidos e as instituições são fundamentais sim.

Querer segregar uma manifestação apenas com “espontâneos” e sem nenhuma organização significa criminalizar a política, impulso bastante conservador.

O esquecimento da política é a realização de um tipo de política nada democrática.

Em contrapartida, os militantes e os partidos não podem tentar impor um jeito correto de se manifestar. Beira o autoritarismo chamar uma pessoa de “alienada” porque ela não segue o trâmite de protesto considerado correto por um terceiro, ou por uma instituição.

Mais triste ainda é querer estabelecer uma hierarquia porque fulano acampou e cicrano só twittou. Sendo militante ou não, cada um protesta com as forças que pode, ou da maneira como acha interessante.

As manifestações só ganham força com esse movimento de agregação.

E quem é a favor da corrupção? Política é bom e eu gosto!

Por Pedro Abramovay, no Observador Político

Demorei pra conseguir escrever algo sobre essas manifestações que têm ocorrido no Brasil contra a corrupção. A demora se deve, sobretudo, a um sentimento ambíguo que tenho sobre esta movimentação.

É claro que todo movimento de rua me parece interessante. Revela a vibração democrática do país e, sempre, contribui para o fortalecimento do debate público. Democracia sem atos públicos é chata e, em geral, é uma farsa.

Mas no caso destas manifestações há um outro aspecto positivo. Elas se encaixam em uma nova série de atos gestados a partir das redes sociais. São manifestações que nunca ocorreriam se não houvesse essa esfera de comunicação na qual pessoas que nunca se conheceriam se encontram e descobrem interesses comuns.

Manifestações, até muito recentemente, só aconteciam quando organizadas por partidos, sindicatos ou associações. Ora, há temas que não interessam a esses grupos. O caso da marcha da maconha, para mim, é um ótimo exemplo. Apesar de alguns setores das esquerdas defenderem a descriminalização da droga, pela polêmica que a questão envolve, não interessa a um partido levantar esta bandeira. A comunicação por meio de redes sociais, sem a mediação de instituições tradicionais, permitiu que milhares de pessoas se mobilizassem sobre o tema no Brasil.

Mas há duas questões nas marchas contra a corrupção que me incomodam. A primeira é que uma manifestação, para ser relevante. precisa tratar de um tema polêmico. A energia da mobilização política deve servir para mobilizar em torno de um tema sobre o qual não há consenso. Uma manifestação que defenda temas sobre os quais ninguém é contra publicamente me parece um desperdício de tempo. E ninguém é a favor da corrupção.

Por isso fiquei feliz quando vi que haviam algumas bandeira concretas (mas me pergunto, sinceramente, se aquelas pessoas de fato estavam lá em torno destas bandeiras). No geral, bandeiras positivas. Apoio à implementação da Ficha Limpa, contra o esvaziamento do CNJ e a favor do fim do voto secreto no Congresso (para mim a melhor de todas as reivindicações). Mesmo sendo medidas interessantes, não são medidas que diminuiriam sensivelmente a corrupção no Brasil. Ou seja, a marcha contra a corrupção não propõe nada que tenha a robustez de lidar de forma mais ampla com o problema, que é sério e complexo.

Mas o que mais me incomodou neste movimento foi ouvir que, em alguns casos, se proibiu a presença de políticos (sobretudo parlamentares) e de pessoas com camisetas de partidos políticos. Acho isso muito grave. Por vários motivos.

Partidos políticos – e o parlamento – são instituições essenciais para a democracia . E a democracia é composta de instituições. A imprensa livre, o judiciário independente, o parlamento eleito em eleições diretas e universais e a liberdade partidária são imprescindíveis para qualquer democracia no mundo.

Vedar a presença de partidos e parlamentares em manifestações públicas (que não é o mesmo que não permitir que manifestações sejam cooptadas pelos partidos) é tão grave quanto impedir que a imprensa cubra determinado evento público.

Não sei se há por trás das manifestações o desejo de acabar com o Congresso ou com os partidos. O mundo já viu – e ainda vê- estruturas institucionais sem liberdade de atuação dos partidos e sem parlamentos. Não são exatamente exemplos de sociedades democráticas. Se as propostas forem estas é importante que fiquem claras, porque aí serei o primeiro a me opor.

Mas não parecem que sejam estas as propostas. Ao contrário, as reivindicações falam de leis que já foram (ficha limpa) ou que devem ser (voto aberto) aprovadas pelo Congresso. Portanto há aí uma contradição. Está se dirigindo uma mensagem para instituições ao mesmo tempo em que elas são tratadas como inimigas. As manifestações devem comemorar que deputados queiram participar e devem ver neles aliados em suas mobilizações.

Tratar todos os políticos como ladrões é criminalizar a política. E sem política não há transformação real da sociedade. O “que se vayan todos” na Argentina, por exemplo, não gerou nenhum elemento concreto de fortalecimento da democracia. Assim, não me parece que esta seja uma atitude produtiva ou inovadora.

É fundamental que as pessoas percebam que a rede deu à sociedade civil a possibilidade de construir movimentos sem precisar dos partidos. Este é um elemento novo e que fortalece a democracia. Mas imaginar que é possível construir esses movimentos contra os partidos e, mais grave, contra o parlamento é desperdiçar o potencial de mobilização dessas marchas e um atentado contra a democracia.