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O novo pão e circo (ou sobre como transformar problemas sociais em espetáculos)

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A expressão panis et circenses – pão e circo – tornou-se famosa, quase todo mundo a utiliza na contemporaneidade. Não a prática, mas a expressão em si tem sua origem durante o período de atuação do Império Romano que na tentativa de manter o povo feliz e ignorante quanto ao que estava acontecendo oferecia espetáculos circenses e pão, que era, por vezes, jogados de carroças. Bem, tanto para aquele tempo, como agora, não acredito nessa manipulação do povo por meio disso, mas em um cinismo fatalista da parte dos grupos mais pauperizados, que na certeza da corrupção de seus governantes, tenta tirar alguma vantagem, seja pão, circo, óculos, dentaduras, cestas básicas…

É comum as pessoas usarem a referida expressão quando falam do futebol, do Carnaval ou das festas realizadas pelas prefeituras, mais frequentemente no interior… Estão errados? Não totalmente, mas acho que mesmo em meio a pobreza, dificuldades, desigualdades, precisamos de festas, momentos orgíasticos. Isso tudo sem deixarmos de desenvolver nosso olhar crítico. O que implica em enxergarmos o pão e circo em estratégias mais sutis e, a meu ver, mais perversas, pois aparecem na bandeira da “utilidade pública”, “serviço a comunidade”, “incentivo a cidadania”, e por ai vai…

Refiro-me a forma como a mídia consegue transformar os problemas sociais em espetáculo, pão e circo, ganhando milhões com o aumento da audiência. Exemplo disso é o que vem acontecendo com a figura da professora Amanda Gurgel, após sua excelente fala na Câmara dos Deputados. Não discordo de nada do que ela disse, nem tampouco lamento a visibilidade que a questão ganhou. “Poxa! Ela apareceu até no Faustão!”, dirão alguns, em tom de admiração pela minha caríssima amiga ter aparecido no suposto horário nobre do domingo a tarde. Mas o que isso significa? Que implicações isso tem? Amanda participou de inúmeros programas, quase enlouquece com o assédio da mídia, como chegou a me dizer. Deu entrevistas ao vivo e pela internet, a jornais ou programas de auditório, enfim, teve sua imagem explorada de forma intensa nos últimos dias. E apesar de seus contínuos esforços em se colocar como representante de uma classe, tal objetivo foi prejudicado pelo interesse midiático em dramatizar sua história de vida: “órfã, criada pelos tios…”. Parece que centrar os programas nos reais e antigos problemas da educação pública em nossos país não é interessante, já que isso não é novidade… Mas aproveitar-se de uma situação caótica como a retratada pela referida professora, buscando apresentá-la como uma lutadora que venceu na vida apesar das dificuldades ou teve a coragem e oportunidade de dizer o que muitos gostariam de dizer… é o pão e circo perfeito para alimentar a ideologia meritocrática do “querer é poder”…

Fica a pergunta: depois de tanto se falar desse assunto “batido”, que decisões efetivas os Governos – estaduais e federais – e os municípios tomarão? E nós, que decisões efetivas tomaremos sobre nossos governantes? Ficaremos na platéia a bater palmas? Ou ganharemos as ruas e avenidas? Balançaremos a cabeça em concordância com a lucidez e coragem da professora, ou pressionaremos os políticos com ações e cobranças reais? A mídia quer o pão e circo, pois com isso alavanca seus índices de audiência, gera mais dinheiro, e nós, o que queremos, o que ganhamos com o pão e circo?