A cena inicial de Melancolia (2011) é um primeiro plano onde Kirsten Dunst nos encara. Seu olhar é de resignação, como se ela olhasse para nós e dissesse que não há nenhuma esperança. Ao fundo, pássaros caem mortos do céu. A cena serve-nos de aviso de como será a atmosfera da projeção e de que não haverá happy end. Segue-se então uma sequência de imagens que servem como uma espécie de “resumo da ópera” para o filme, assim como outros tantos planos simbólicos que fazem lembrar a introdução de Persona (1966) de Ingmar Bergman. Nesse prenúncio ficamos cientes do trágico desfecho do filme: A Terra vai ser destruída pela colisão com um planeta errante chamado Melancolia.
Oriundo do movimento cinematográfico Dogma 95, e diretor de filmes como Dogville (2003), Dançando no Escuro (2000, este com a participação de Björk), O Anticristo (2009) etc. Lars von Trier com seu novo filme parece nos oferecer uma espécie de ode à tristeza. Usando imagens com intensa força poética e simbólica em meio a um enredo que denuncia a fragilidade das relações e emoções humanas, von Trier nos apresenta Justine (Kirsten Dunst no seu melhor momento desde a vampirinha Claudia em Entrevista com o Vampiro). A princípio, a personagem se mostra alegre, quebrando um pouco o clima trágico da sequência introdutória. Com seu vestido de noiva se encaminha para festa de casamento com seu marido Michael (Alexander Skarsgård) na mansão onde sua irmã Claire (Charlotte Gainsbourg) e seu cunhado (Kiefer Sutherland) lhe esperam irritados com a demora dos noivos, embora mostrem que esse mal-humor é direcionado a Justine, deixando entender que há um histórico de decepções que ficará mais claro em outros momentos.
Na medida em que a festa de casamento se desenvolve, somos apresentados a família de Justine e do seu noivo, e logo percebemos que, por trás de toda aquela aparente felicidade, se esconde relações humanas que se sustentam sobre uma estrutura prestes a ruir. Justine vai aos poucos perdendo a capacidade de manter a “máscara” de noiva feliz e publicitária bem sucedida que se sente obrigada a usar, enquanto as “máscaras” dos outros personagens também começam a cair. Mas é Justine que mais sente o peso de manter as aparências, e vemos, nesta primeira parte do filme, através de uma câmera trêmula que se aproxima dos atores e denuncia a vacuidade daquele momento e sua delicada estrutura, tudo desmoronar até o amanhecer do dia.
A segunda parte da projeção se concentra em Claire e no seu medo da aproximação do planeta Melancolia, que deixa de ser confundido com uma distante estrela vermelha e se torna um planeta azul que, no horizonte, a princípio, se assemelha com a lua. E se num primeiro momento Justine aparece aos poucos desmoronando sobre si mesma, aqui ela não tem a menor força para se reerguer, chegando ao ponto de dizer que seu prato preferido (bolo de carne) tem gosto de cinza. Entretanto, é durante essa segunda parte que os papéis são aos poucos trocados, mostrando os mais fortes como os mais frágeis e o mais frágeis como os mais fortes diante de uma inexorável catástrofe que uns ignoram, outros se desesperam e outros aceitam com serenidade. E é na simbólica composição da cena final que von Trier parece nos oferecer a tríplice escolha de lidar com a impotência diante de uma tragédia ao qual não podemos de modo algum evitar, ou, simplesmente, como lidar com a própria tristeza. Mas, como toda obra de arte, a interpretação de certos planos não é unívoca, e sim, abre espaço para outras interpretações igualmente válidas nesse filme de profunda riqueza semiótica.
A música (e sua ausência) é outro ponto alto da projeção. Além de ser uma bela e forte composição, von Trier sabe exatamente quando e o quanto usá-la. Acentuando momentos de intensa riqueza plástica, dramática e simbólica. E o silêncio se mostra tão importante quanto essa música, fazendo com que o filme seja um casamento perfeito entre sonoridade e silêncio.
Assim como o filme As Horas (2002), Melancolia é um filme sobre a tristeza e sua face mais intensa: a depressão. O nome do planeta homônimo é um sinal óbvio disto. O que me fez pensar que, na entrada da sala do cinema, poderia servir como advertência a famosa frase de Dante Alighieri: “Abandonai as esperanças, vós todos que aqui entrais”. Entretanto, a esperança perdida por um enredo que possa de algum modo salvar seus protagonistas da iminente catástrofe global (e emocional), é satisfeita por uma obra de arte cinematográfica que resgata mais uma vez a imagem do diretor, não como um simples regente de orquestra de atores, iluminadores etc, mas como o verdadeiro autor da obra.
Título original: Melancholia
Elenco: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt
Direção: Lars von Trier
Duração: 137 min.
Distribuidora: California Filmes
ps: Melancolia está em cartaz no Cinemark do Midway Mall.