VIP’s – Histórias Reais de um Mentiroso (2010), dirigido por Mariana Caltabiano, a partir do seu livro homônimo, conta a história de um dos maiores farsantes brasileiros, Marcelo Nascimento da Rocha, e seu golpe mais celebre: o dia em que ele fingiu ser o filho do dono da companhia aérea Gol e foi bajulado pela elite e ainda entrevistado por Amaury Junior em plena “área vip” do carnaval (“fora de época”) do Recife, e sua genial elucidação do acidente do avião da TAM em 2009, a pedido da própria escritora.
Dirigido de uma forma criativa e competente, sem ter medo de lançar mão em variados recursos narrativos como a animação e passando da comédia para o drama de forma homogênea, essa cinebiografia consegue ser um retrato bem sucedido de um personagem intrigante. Digo isto, pois, a narrativa baseada em entrevistas e narrado em off pela própria autora, deixa claro a genialidade de alguém que enganou muita gente com uma facilidade surreal (numa segurança emocional que lembra um ator ou um psicopata), da polícia a high sociaty (ou “a fina flor da futilidade” como diz um ator de novelas em certo trecho). E enganar essa “fina flor da futilidade brasileira”, entre eles alguns atores globais e o próprio Amaury Junior foi seu grande momento. Mais ainda, o filme tenta retirar a máscara em baixo de tantas máscaras do personagem que, alem da sua genialidade, mostra alguém que foi tão vítima da mesma sociedade vaidosa que ele enganou, também mostrando um personagem extremamente cativante.
Apesar da sua fase barra pesada como piloto do tráfico (o que serviu para realizar seu difícil sonho de ser piloto de avião), Marcelo mostra, durante o documentário, que, apesar de suas atividades ilícitas como falsário, ele em nenhum momento machucou alguém, a não ser o ego de muitos que ele enganou no carnaval de Recife. Como a autora do livro comenta: todos seus golpes buscavam apenas um certo glamour. E um dos egos machucados certamente foi o de Amaury Junior ao entrevistar Marcelo como sendo o filho do dono da Gol, fazendo disso algo considerado por muitos como a maior gafe do entrevistador. Mas como este comenta, não foi só ele que foi enganado. No próprio documentário tem um certo ator global muito conhecido que parece não ter permitido a vinculação da sua imagem nele. Ele aparece com o rosto borrado numa imagem alterada propositalmente, embora o documentário cite seu nome. Será vergonha? Vergonha de ter bajulado, como tantos outros, um “Zé Ninguém”? Provavelmente.
É muito simbólico que a fama de um dos maiores picaretas da história brasileira se dê justamente num carnaval. No meio de tantas máscaras e “máscaras” num Olimpo dionisíaco de um camarote vip com ricos e famosos globais ou não, com seu séquito de bajuladores. Gente genuinamente fútil, que visa somente a aparência e a conta bancaria do outro. E é nesse ambiente de futilidades que Marcelo triunfa, e o que também, a meu ver, o transforma num anti-herói genuinamente brasileiro, pois mostrou em rede nacional, através da entrevista de Amaury, o quanto nossos valores são toscos. Valores oriundos de uma indústria cultural que fabrica celebridades e vagos ideais de felicidade. Vivemos numa época em que ser famoso, mesmo sem ter nenhum talento artístico ou científico, se tornou o “sonho” de muitos. Com isso, Marcelo é tão vítima quanto suas vítimas no carnaval de Recife. A exigência da indústria cultural em fabricar celebridades é tanta, que, além de “talentos” musicais duvidosos que desaparecem tão rápido quanto surgem, temos um programa de TV especializado em fabricar celebridades igualmente descartáveis.
Marcelo vai ao carnaval de Recife com sua máscara de filho do dono da Gol, e, com isso, põe abaixo as máscaras das celebridades nacionais, expondo o vazio por traz delas.
É nesse reino de Maya da cultura de massa brasileira que faz com que Marcelo, no meu ver, seja muito parecido com Amaury, e Amaury com Marcelo, pois ambos fizeram sua fama através de uma relação simbionte com as celebridades nacionais (levando em conta, é claro, a forma como cada um chegou a isso). Igualmente escravos de um ideal de felicidade que visa à fama e o luxo. Ambos temendo o anonimato, o ostracismo, como um inferno real e possível que ronda toda celebridade nas suas mais íntimas ansiedades. Entretanto, acredito que esse inferno aterrorize muito mais o célebre entrevistador do que aquele que teve seus gloriosos 15 minutos de fama (manchando, com isto, em tons patéticos a já patética função do entrevistador de coluna social).
Marcelo reconhece sua condição de criminoso, e tem plena convicção de que pagará por isso, mas, como ele mesmo diz, quer pagar a prestação. Mas, afinal, num país onde na classe política se encontram os maiores picaretas, Marcelo acaba sendo um simpático peixe pequeno.
ps: O filme com Wagner Moura é, assumidamente, uma ficção, que se baseia no mesmo livro que deu origem a esse documentário, mas que termina abruptamente, deixando uma certa frustração que não sei direito se é pelo fato de ter assistido o documentário antes. Por outro lado, cumpre com o desejo do próprio biografado em não ser tratado como herói no final. Mas não consegue evitar a pose de anti-herói.