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Considerações sobre o trabalho

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Estava há tempos sem escrever. Não à toa. Acabei envolvendo-me em algumas pesquisas que não estavam no cronograma. Sugam-me o sangue. Resultado: três ou quatro horas de sono por dia durante uma semana. Ocorre que até então me achava uma pessoa normal. Neste instante penso que devo internar-me. Ontem a noite (leia-se madrugada) tomei três cervejas para comemorar. A razão? Consegui resolver um problema no trabalho. Definitivamente quando alguém está às três horas da manhã comemorando ter resolvido um problema de trabalho, absolutamente um tratamento se faz necessário. Bem, isso era o que eu estava pensando até o momento em que comecei a escrever as primeiras linhas do texto. Parando bem para pensar é possível que não. Talvez o trabalho seja sim uma fonte de alegria (reconhecimento), mesmo quando o fazemos em horários que não somos pagos para isso. O que está em jogo aí não é propriamente o trabalho. Mas as implicações no social que a resolução de um problema representam. Amanhã não serei apenas mais um funcionário, mas um funcionário que resolveu um “abacaxi”. Pouco importa se isso irá render uma promoção (bom seria que o fosse), o que importa (no fundo) é que todos saberão, tomarão conhecimento que foi você que resolveu “aquele problema”. Agora você será fonte de visibilidade, não mais um anônimo ou alguém que apenas bate o ponto (aqueles que costumamos chamar de “sem sal”). Se voltarmos no tempo (digo isso aqueles que já são um pouco mais avançados na idade, se você tem menos de 21 e uma namorada(o) deve estar passando pelo que vou contar agora ou passou há pouco) veremos que a nossa relação com o trabalho é desde cedo incentivada, não é de se espantar que nos orgulhemos de sermos bons empregados.

Na sua grande maioria pais são pessoas cretinas. Digo isto pois sou homem e tenho que enfrentá-los nas raras ocasiões de uma nova parceira. Não por nada, são pessoas maravilhosas, obviamente, mas são cretinos. De todos os pais que conheci, a maioria recebia-me com uma pergunta cretina: Quem é você? Mas este “quem é você” não representava interessar-se realmente por mim. Nunca perguntaram minha cor favorita ou mesmo a banda que mais gosto. Nunca questionaram sobre o último livro que li ou animais de estimação. A maldita pergunta “quem é você” significa “qual o seu trabalho” (ou o que você estuda). Se responder que estuda medicina, direito ou engenharia, logo saberão que trata-se de um bom partido, um homem digno e honrado. Mas invente, caia na besteira de fazer matemática, zootecnia, artes, ciências sociais ou qualquer outro curso que não seja “da moda” (porque dá dinheiro todo curso dá, não se trata do curso em si, mas sim da inteligência do sujeito que o faz) e logo logo você terá que provar uma série de coisas que se tivesse feito outro curso não teria de provar.

Desde cedo nos domesticam unicamente para o trabalho. Não vá jogar bola, você não vai ser jogador. Não fique ai rabiscando, você não vai ser pintor. “Pare de ficar ai tocando música e vá estudar” (essa é a frase mais cretina que costumo ouvir de alguns pais, como se a música não fosse uma área do conhecimento humano e “tocá-la” não significasse a mesma coisa que estudar). Bem, se retornarmos mesmo até a barriga de nossas mães, até lá já estão dizendo (não o que vamos ser) mas em que iremos trabalhar: todo pai quer um filho médico, “adevogado” ou engenheiro. Enfim, deve ser uma certa frustração que relembrei ao tomar a terceira cerveja hoje pela madrugada. Quando era bem novo, uns seis ou sete anos e todos meus amigos queriam ser astronautas eu queria ser pipoqueiro. Apenas achava legal poder ficar comendo pipoca e ainda vendendo pros outros em locais divertidos. Vocês não tem noção da bronca que levei da professora quando falei isso. Enfim, quem sabe um dia ai (talvez em um sonho) um pipoqueiro tenha tanto valor como um médico e os dois sejam igualmente respeitados, apesar das diferenças econômicas que sempre existirão (pois mesmo nas sociedades meritocráticas os indivíduos haverão de esforçar-se uns mais do que os outros). O trabalho é fonte de reconhecimento e felicidade, não há como negar (para o nosso pior transtorno). Quebrar os valores hierarquizantes que existem nele, acredito, é a melhor solução..