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Olhar – Conotações críticas

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Mais de 40 anos depois do explosivo lançamento do Movimento do Poema/Processo a mídia, a crítica, continuam desconhecendo e marginalizando aquele que foi o mais radical movimento poético de vanguarda nacional. Nossos livros didáticos, por exemplo, quando comentam a linha evolutiva da poesia brasileira, param na Poesia Concreta e às vezes no Movimento da Semana Modernista de 22. Raríssimos livros chegam ao Poema/Processo.

Revi, muitas décadas após a primeira visão, “Pierrot, le fou” de Godard. Assisti o filme pensando o tempo todo em Pound (“os artistas são a antena da raça”). Parece que o filme foi feito hoje (2010). Pierrot, Le fou continua sendo uma elegia poético-cinematográfica à liberdade e ao anarquismo.

Aos 64 anos, a gente acaba fazendo algumas releituras, re-visões do que foram/são essenciais na formação da nossa cabeça. Estou relendo toda a obra poética de João Cabral de Mello Neto. Com paixão e olhar crítico. A poesia de João Cabral disseca o real e o imaginário com uma precisão exata, como nenhum outro poeta brasileiro consegue.

O lirismo é a doença infantil da atual poesia brasileira.

Os clássicos, em todas as suas manifestações, sejam literárias, poéticas, musicais, nunca me emocionaram. Gosto da música de Bach e tentei, inutilmente, ler A Divina Comédia, Dom Quixote, Shakespeare. Nunca consegui. A linguagem dos clássicos soa para mim como uma coisa insuportavelmente enfadonha.

Os Beatles “brincaram” com intensa criatividade em várias linguagens musicais. De Black Bird a Number Nine a geléia geral beatlemaniaca fez uma leitura explosiva da música do último século, recorrendo caminhos tão diversos quanto as tradições das baladas românticas, passando pelo rock  and roll até experimentações alicerçadas na vanguarda detonada por John Cage. Daí que a contemporaneidade deles atravessa décadas e décadas.

Poetas líricos, sub-pessoas, poetas de vã guarda invadem cada vez mais os espaços, digamos, culturais do país. Publicam seus livros e chagam ao ridículo de tornarem-se “imortais” em academias de letras que hoje infestam as cidades, desde as pequenas até as capitais. É um circo, onde o espetáculo passa por um ego doentio de cada “poeta” ou “escritor”.

O brega sempre me interessou como a manifestação, seja comportamental ou artístico do Brasil, meu país. Os tropicalistas já sabiam disso. Caetano gravou Coração Materno de Vicente Celestino. Lindomar Castilho, Núbia Lafaieti, Almir Rogério, Amado Batista, Reginaldo Rossi, entre outros e outras que ouço sempre.

As letras das composições dessa gente, são de um realismo fantástico e trágico, geniais. Fuscão Preto, por exemplo, é uma obra prima. É preciso assumir nossa breguice contra o “bom gosto” abominável das elites.

Toda verdadeira arte (seja musical, literária, plástica, etc.) só tem sentido se causar impacto, um soco, uma indagação. Guernica de Picasso, por exemplo, cada vez que eu olho uma reprodução que tenho na minha sala, me inquieta.

Há “artistas” simplesmente decorativos. Alguns comentem expressões artísticas, literárias, poéticas que são tão bonitas quanto um jarro de rosas vermelhas. Mas não passam disso.

João Gilberto transforma uma música brega, Besame Mucho, num toque zen, de vanguarda. Chico Buarque definiu bem: “João Gilberto interpreta e toca qualquer música como se fosse criação dele..”.

O teatro não me comove. Vi duas encenações na vida O rei da Vela e O Balcão que mexeram com minhas emoções.

Numa entrevista ao Estadão, o livre pensador Edgard Morin diz que no mundo atual mais importante e fundamental do que as revoluções e ideologias são as metamorfoses. Segundo ele, com razão e lucidez, as revoluções e ideologias massacraram milhões de vidas, passando por Mao, Stalin, Hitler e outros assassinos. Poeticamente, ele fala que as metamorfoses transformaram o mundo sem passar por este banho de sangue e violência.

As vastas dimensões geográficas do Brasil acabam tendo um grande peso na cultura nacional, que se concentra no eixo Rio-São Paulo, onde a mídia é mais forte e na maioria das vezes questionável no meios conceitos e escolhas. Assim sendo, artistas, poetas, escritores que produzem longe deste eixo cultural acabam tendo suas obras marginalizadas e pouco divulgadas.

“Arte é intriga” (Millôr Fernandes)