Por Felipe Mamede
“Vais encontrar o mundo”. Este é o aviso que o personagem Sérgio recebe do pai e, que dá início à obra prima de Raul Pompéia, O Ateneu. Talvez não seja com a mesma frase que os pais da atualidade se despedem dos filhos que seguem para a “Casa do Estudante” de Natal, uma espécie de “O Ateneu” mambembe, instituição filantrópica que já passou por inúmeras delendas. Quem visita o local percebe rapidamente o revés “para sempre” do lugar. As falhas estruturais atendem por um nome específico: infiltração.
No prédio tombado como patrimônio histórico em 1993, os vazamentos tomam conta de praticamente tudo. As goteiras estão espalhadas por salas, banheiros e cozinha. No salão de estudos, as goteiras já comprometeram a iluminação do espaço. Metade da sala tem condições de uso. No restante do ambiente, além do mofo já aparente nas paredes, o chão está cheio de água. Lá, os estudantes precisam aproveitar o “banho de sol”. Explico. Pela falta de luz artificial, os estudantes estudam se aproximando ao máximo das janelas. Se “aluno” significa “sem luz” em latim, então nada mais justo.
“Não temos muita condições de estudar nesse local. Aqui só tem gente de dia quando ainda tem alguma iluminação. Nós mesmos já retiramos a iluminação daqui por que tínhamos o receio de causar algum curto-circuito e comprometer o que ainda funciona”, disse Robevânio Borges, 22, espécie de presidente da Casa. Natural de Riacho da Cruz, ele explica que a sala de estudo é só o início da odisséia que é viver no local. O colega de Robevânio, Onésimo Júnior, aponta ainda outras falhas na estrutura do lugar. As infiltrações também podem ser encontradas nos banheiros do primeiro andar.
No banheiro do térreo, além dos vazamentos, a grande novidade é que o piso está afundando. “Esses banheiros estão interditados. Não é seguro usar nenhum deles”, relata Onésimo. Por causa disso, é comum se deparar com estudantes se encaminhando para a lavanderia. Lá, o banho é de cuia. “A estrutura aqui é precária”, resume o estudante Samuel Medeiros, 21, enquanto toma banho com a ajuda de uma caneca. “E tem um detalhe, só é possível tomar banho na lavanderia durante o dia. A iluminação só chega até a metade do corredor”, complementa.
“O Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liguidam para recomeçar com os artigos de última remessa”. Na Casa do Estudante, reformas e melhorias são coisas diluídas no tempo. Literalmente. A última benfeitoria, dizem ter sido feita nos já distantes anos oitenta. Enquanto isso, a Casa permanece sendo mais um lugar de “não”. Não tem isso, nem aquilo e nem aquilo outro…
Para completar, relatos dão conta de que pelo menos vinte pessoas – que não são estudantes de fato – vivem na “Casa do Estudante”. Acuados, os verdadeiros estudantes se recusam a dar maiores detalhes. Alguns afirmam ter medo. Lá, eles estão “destacados do conchego placentário da dieta caseira”. Em outras palavras, estão vivendo da base do cada um por si e Deus contra todos.
Postado originalmente por Felipe Mamede no Lado[R]