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A democracia sem povo

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Ontem, um punhado de personalidades liberais e tucanas lançou um “Manifesto em Defesa da Democracia” – leia na íntegra aqui. A ameaça à democracia? Lula e o PT, evidentemente. O assunto? A mesma e enfadonha ladainha, sem nenhuma substância relevante para um debate intelectual e político de fato; isso que torna os principais jornais e revistas do país tão desinteressantes.

Entre os ressentidos estavam juristas, atores, professores universitários da USP, jornalistas, artistas, enfim, os nomes de sempre; Celso Lafer, Ferreira Gullar, José Arthur Giannotti, José Álvaro Moisés, Bóris Fausto, Leôncio Martins Rodrigues e Lourdes Sola e outros. Sob a aparência de um senso agudo de civismo, crítica e democracia o que se ler nas breves linhas do “Manifesto” é uma indisfarçável hipocrisia elitista e preconceituosa.

O ressentimento é devido ao fato do governo Lula ter retirado das elites tradicionais deste país a crença e a missão civilizatória que elas piamente se agarram como definidoras de seu caráter e de sua função histórica para o Brasil, a saber: de que elas representam a grande força de esclarecimento e progresso do país. Essa perda irreparável atinge implacavelmente o narcisismo de nossas classes abastadas.

Na cabeça dos temerosos tucanos e liberais, a democracia necessita ser protegida da turba, do aparelhamento, do clientelismo e do carisma de líderes demagógicos. Obviamente, deve ser protegida unicamente por aqueles que de fato e por mérito a compreendem em sua essência e pureza. Daí a onda de denuncismo atual. Para os “descontentes” liberais, o PT contaminou a democracia com um sujeito que até então, no Brasil, só existia nos cálculos do poder; o povo.

Mas o que querem esses “descontentes”? Por acaso, o governo suprimiu arbitrariamente alguma liberdade essencial? As relações entre o governo, o PT e o empresariado são marcadas por animosidades, antagonismo e interferência direta e unilateral? A imagem internacional do Brasil é de um país autoritário? Não.

O que as elites “descontentes” querem é que o povo volte a ser apenas um número, ou seja, algo que elas sabem que existe mas que é desprovido de corpo e voz. O povo mais não deve ser do que um nome e um registro eleitoral ou uma massa informe desprovida de idéias e habilidades cognitivas. O povo só interessa às elites como objeto de poder; objeto de filantropia e caridade, objeto de projeto social, objeto de políticas de segurança etc.. No governo Lula, o povo deixou de ser uma abstração. É isso que incomoda e aflige. Uma democracia sem demos é o que eles defendem.