Câmara Cascudo nos deixou um grande legado. Desenvolveu uma vasta obra que versou sobre os mais variados temas. Demonstrou grande acuidade analítica ao tentar compreender nossas especificidades culturais, históricas e sociais. No entanto, apesar de sua produção intelectual, as duas principais correntes predominantes interpretativas de seu pensamento não conseguiram, nem de longe, tangenciar as suas reais potencialidades teóricas.
A primeira escola – seguida pelo oficialato da cidade – se notabilizou e continua a se destacar por salientar as capacidades extraordinárias de Câmara Cascudo e de como é bom Natal ter um intelectual representativo no cenário nacional. Os seus interlocutores ficam restritos a uma leitura biográfica – um pouco fantasiosa, diga-se de passagem – do pensador.
Os fatores que dizem respeito à discussão da validade das suas análises sócio-antropológicas são quase que desconsiderados. Tratam, mesmo quando estudam o seu itinerário, de esquecer, sobretudo, da ligação do ilustre natalense com os grupos políticos mais conservadores de sua época. Os representantes desta corrente se apresentam como os “interpretes autorizados” e se autodenominam “cascudianos”. São sempre lembrados quando alguma instituição local resolve fazer algum colóquio, congresso ou seminário para nos lembrar o quanto Câmara Cascudo era inteligente e que ele nasceu em terras potiguares.
A segunda vertente – a que se diz complexa – também não perde a viagem quando o assunto é empreender uma interpretação irreal de Cascudo. Na perspectiva desse movimento (pseudo) teórico, Câmara Cascudo chega a ser comparado com o antropólogo francês Claude Levi-Strauss.
Ora, qualquer aluno iniciante de antropologia sabe que Câmara Cascudo e Levi-Strauss se enquadraram em duas tradições dispares de pensamento. Eles cultivaram metodologias e referencias científicas distintas. Dizer que há uma obra similar é como querer juntar o céu com a terra. Essa (absurda) associação nos mostra que pensar de modo verdadeiramente complexo é algo que se realiza na prática. Não se resolve por um ato nominalista.
Não há a menor possibilidade de negar a importância biográfica e intelectual do nobre pensador. Esta não é a intenção deste opúsculo. Muito pelo contrário! A questão que se tenta expor é que um pensador como Câmara Cascudo merece muito mais. Para além dos floreios verborrágicos e das agregações estapafúrdias, é relevante entender que a teoria de cascudo pode efetivamente ajudar a compreender o que faz do Brasil, Brasil. Esta foi, sem dúvida, a sua maior contribuição.