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Preocupações leigas sobre a ética feminina

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Por Stephanie Campos

Podemos entender a ética como a capacidade de avaliar as próprias ações; como um conjunto de regras que guia o comportamento de determinado coletivo social nos remetendo à idéia de moralidade; ou como um sistemático estudo sobre como deve o ser humano comportar-se em sociedade remetendo-nos aqui à uma idéia de filosofia moral.
A partir das intervenções de Tomás de Aquino e Agostinho na ideologia ocidental surge a visão maniqueísta na qual temos o livre arbítrio de escolher entre o bem e o mal, no entanto somos livres devendo saber que só há um caminho, verdade e vida, que deve ser alcançado seguindo-se as regras de conduta ditadas pela filosofia do cristianismo que vigora fortemente nos nossos dias. Surge então a conduta moral como sinônimo de ética, a conduta imoral que se contrapõe à ética e a conduta amoral, que a ignora totalmente.

Nesses termos a ética que a mulher deve seguir é sempre muito mais dura. O deus cristão bíblico, no ato da criação dos humanos, coloca a mulher hierarquicamente em submissão ao marido, a mulher é responsável pela expulsão do Jardim do Édem, pelas condições difíceis de subsistência empreendidas pelo homem e pelas dores do parto que há para todas as mulheres depois de Eva. Pode-se argumentar que existem passagens onde as mulheres são positivadas biblicamente inclusive junto a trajetória de Jesus na terra em uma argumentação que refere-se ao campo religioso, mas na prática as apropriações históricas sobre o papel da mulher na sociedade são um tanto menos oníricas. As práticas, defendidos pela Igreja Católica, davam a propriedade dos corpos femininos aos pais, irmãos, filhos e maridos; permitia o adultério masculino; defendia o direito de agressão física sobre a mulher que não fosse “correta e obediente”. Ainda hoje a mulher virtuosa é, para muitos, a mulher que se mantém na casa ‘suportando em amor’ a todo tipo de incoerência social e opressão física e psicológica, que respeita acima de sua própria felicidade a manutenção de uma falsa imagem harmônica vendida a parentes e amigos para que possa ter algo que a sustente, na ausência de uma postura política de libertação e individualidade que construa valores femininos que partam de fato de uma condição feminina respeitável por suas ações e posicionamentos na sociedade.
A ética cristã fechada nela mesma é uma forma de repressão e por isso não me apetece embora estejamos todos imersos nesse universo. Essa ética não justifica a ação de mulheres que ignoram as conquistas políticas históricas femininas e permanecem reproduzindo formas de conduta que tentam julgar como imoral posturas de liberdade ou mesmo de amoralidade. Essa postura é contraditória pois como se basear em argumentos politicamente anti-femininos para tentar dar à mulher um lugar social equânime?
A moralidade cristã interiorizada por mulheres sem capacidade crítica nos dá a possibilidade de presenciarmos espetáculos da baixeza onde não se usa intelecto, ponderação e pensamento livre. Minhas pulsões humanas são o que me fazem e as limitações de minha interação social são dadas pelas pulsões do ‘outro’ envolvido nesse processo. Não permito portanto que meu ‘outro’ seja alguém que passou a história da humanidade me dizendo a quantos passos atrás eu devo andar e mesmo assim, hoje, é pensado como fonte de luz para qual vou orar em pedido por libertação. Como essa libertação se daria se partiria das idéias que nos aprisionam?

Publicado originalmente em Rustique Moderne.