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A universidade e a prática escolar

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Como cumprir sua função social primeva de promover o conhecimento e o cultivo de uma cultura civilizatória se a universidade não é capaz de romper com as artimanhas da vida ordinária?
A vida escolástica, se partirmos de uma conceituação iluminista do qual a universidade é em grande parte herdeira, é correntemente definida como uma prática que, pela própria autonomia que proporciona – ou em tese deveria produzir – para os seus quadros, permite ir além dos esquemas de pensamento comumente cultivados pelos membros ordinários da sociedade. Nesse sentido, a universidade deveria ser o espaço da reflexão e discussão independente das injunções sociais da vida cotidiana.

A experiência, no entanto, na UFRN não torna possível compreender o processo acadêmico desse modo. Pelo contrário, a cultura escolar do ensino fundamental e médio continua vigorando soberanamente e orientando a atividade discente e docente, na forma de reprodução e extensão de sua lógica específica aos departamentos, bibliotecas e centros de pesquisa da universidade. A exemplo disso, a instituição diminui o tempo de abertura das bibliotecas durante as férias (meio do ano e final de ano também), a maioria dos alunos só aparecem na época das disciplinas e os professores, com raras exceções, somem durante, mais ou menos, três ou até quatro meses do ano em que o regime disciplinar das matérias não se encontra imperando.

Será que há algo que justifique quase quatro meses de fechamento parcial das bibliotecas? Alguns podem alegar que o arrefecimento de uma das principais atividades acadêmicas esteja relacionado com as questões trabalhistas. Este argumento, no entanto, é enganoso. Os funcionários precisam de férias. Porém, pelo que se sabe, elas são de apenas um mês.

Os professores, por sua vez, recebem para desempenhar atividades de ensino, pesquisa e extensão. Entretanto, como é possível formar bons alunos, criar projetos sociais propositivos e promover pesquisa que lance luz sobre o mundo, estacionando tais atividades por quase um terço do ano? Não seria de bom tom criar cursos de verão para a comunidade universitária e mesmo para as pessoas que não vivem diretamente um dos espaços privilegiados de produção de conhecimento? Dados relevantes e alimentadores de pesquisa não podem ser coletados neste período? A dedicação exclusiva, princípio norteador do sistema de remuneração dos professores, não poderia, de fato, ser exercitada?

Os alunos, na mesma medida dos professores, acabam se tornando refém – ao mesmo tempo em que ajudam a reforçá-la – dessa topografia moral que norteia as práticas na universidade. Por exemplo, chegamos ao absurdo de considerar “exótico” o fato de existir alunos em bibliotecas na época de férias. Até mesmo funcionários da já referida instituição consideram “anormal” aquele estudante que procura simplesmente preencher seu tempo “livre” com mais momentos de dedicação ao estudo. Até parece que já estudamos tempo demais nos períodos correntes de funcionamento da universidade.

No entanto, o fato significativo é que a universidade reproduz mais fortemente aquilo que deveria combater. O espaço de ação do ensino superior é engolido pela lógica do ensino escolar secundário. E assim, a única cultura escolar vigente é aquela que diz que só se estuda quando se cursa disciplinas. A universidade acaba caindo na MEDIOcridade.

Carlos Eduardo Freitas – Sociólogo – calfreitas@hotmail.com
Daniel Menezes – Sociólogo – danielgmenezes@hotmail.com