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O senso comum se fez Brasil

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Não é fácil pensar fora dos fáceis, mas improdutivos esquemas do senso-comum. Este conhecimento ordinário pode servir para responder as urgências apresentadas pelos mais variados contextos em que nos inserimos. No entanto, não ameaça os preconceitos. Pior! Petrifica os argumentos e impede que nos perguntemos sobre os pressupostos perceptivos que são mobilizados para explicar os pilares constitutivos de uma sociedade. Estas impressões pré-reflexivas não tematizadas embrutecem. Além disso, são um bom combustível para as relações de dominação.

Poucas preconizações encarnam tão bem estas características como aquelas que os brasileiros tem de si mesmos e das suas respectivas práticas sociais e políticas.

Desde a chegada dos primeiros colonizadores que o Brasil vem sendo pensado através dessas categorias pseudo-analíticas. Começamos como o “país de natureza paradisíaca”, passamos pela idéia de que aqui existe um clima que promove a degradação moral e a lascividade sexual e desaguamos nas noções substancialistas de que o Brasil é o país do jeitinho e da corrupção.

O fato é que, desde a mais tenra infância, o discurso do colonizador foi incorporado e nunca mais removido. Caricaturas baseadas em frágeis alicerces reflexivos sempre permearam o universo conceitual dos brasileiros. A invalidação de nossa sociedade, principalmente das classes sociais menos privilegiadas, enquadradas pelo racismo de classe cultivado pelos estratos médios e mais abastados como um grupo de sub-cidadãos, sempre foi e continua a ser atualizada.

Esta lógica aparece, por exemplo, na comparação de uma idealização negativa do que significa “ser brasileiro” com a idealização positiva do que implica ser europeu ou americano. Enquanto o Brasil é o país das relações do compadrio, da “carteirada” e do “vale mais quem tem dinheiro”, a Europa e os EUA são o verdadeiro reino do céu na terra. Ao contrario daqui, lá não existe corrupção e desigualdade. Tudo funciona perfeitamente bem e, mesmo com o aparecimento das mais variadas formas de relações pessoais por trás da aparente impessoalidade do mercado e do estado (lobby de empresas de seguro-saúde, de armamentos, favorecimento em licitações, golpes no mercado de ações, etc), a imagem idealizada nunca é questionada.

Por mais que o Brasil apresente pujantes instituições modernas, tais como Estado e Mercado que, conforme diz a boa teoria, são acompanhadas pela promoção de uma verdadeira revolução no modo como as pessoas se relacionam, retirando a sociedade da tradição, do personalismo e do patrimonialismo e colocando-a na modernidade, o discurso dominante sempre pinta o Brasil como o país do jeitinho, do atraso e que vive num estado de corrupção generalizada.

Não se consegue, sequer, questionar as frágeis categorias de pensamento que dão sustentação a tais raciocínios. Nesta lógica, o hemisfério norte representa a posição alta e superior e o sul o baixo inferior. Uma fantasiosa cultura do frio, que distancia e torna as relações sociais impessoais, é contraposta a uma suposta tradição dos trópicos, que ferve o sangue, “aproxima” as pessoas e estimula o apetite sexual. De um lado, a boa temperança, a racionalidade e a impessoalidade moderna. Do outro, a imprudência, a emoção e o predomínio das relações pessoais atrasadas. O fato é que o determinismo biológico e climático, rechaçados teoricamente desde o século XIX, ainda habitam os nossos corações. Substancializa imagens, forja realidades e percepções.

O trágico é que, baseado em prenoções fragmentadas, esta “teoria”, que apresenta pretensão de verdade, cria alternativas políticas fadadas ao fracasso. Promete um futuro que não pode realizar..